procurava ocupar o vazio
da estante
inventando sítios para tantos panos,
tuas roupas dobradas fora do quarto:
aloquei cada camisa
como quem se procura
em teu corpo,
solucei - uma a uma -
antecipando a despedida,
aguando teu perfume,
supondo teu ímpeto em desfazer
tentativas.
busquei nos vãos da madeira
as brechas de vida
que refaço: dois dias,
vinte noites, mil e duzentas semanas
espreitando as batidas da porta.
como sufocar tuas veias
para implorar piedade:
aguardar seis horas,
atravessar a sala,
esquentar o café outra
vez.
2 comentários:
Camila, tu conheces Affonso Romano de Sant'anna? me lembrou este poema dele:
Desmontar a casa
e o amor. Despregar
os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade
das conversas.
O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.
Empilhar livros, quadros,
discos e remorsos.
Esperar o infernal
juizo final do desamor.
Vizinhos se assustam de manhã
ante os destroços junto à porta:
-pareciam se amar tanto!
Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.
Amou-se um certo modo de despir-se
de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo
modo de botar a mesa. Amou-se
um certo modo de amar.
No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas, tropas de insultos
malas desesperadas, soluços embargados.
Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?
No quarto dos filhos
outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.
O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.
Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?
Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa
mais que uma mala de chumbo
sim, o conheço, mas não este poema. gostei muito!
vê se volta com as palavras.
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